A PEC 241 que pretende congelar o SUS e outras áreas sociais e que
ameaça a milhões, poderia ser interpretada como o ato mais lesivo que um
governo poderia desferir contra a profissão médica.
Dois fatos ainda limitam essa percepção entre os profissionais: não
houve tempo suficiente para a reflexão sobre o impacto dos malefícios
trazidos por essa emenda e há verdadeira incredulidade de que um
governo, apoiado maciçamente pelas entidades médicas, possa ter sido
efetivamente capaz de jogar a uma bomba atômica contra tudo o que
interessa à profissão, tanto nos aspectos relacionados ao trabalho
médico quanto nos relacionados ao capital.
Abaixo, listei, sem querer ser exaustivo, dez motivos pelos quais a
PEC 241 vai agredir frontalmente o exercício profissional médico. Antes,
porém, vale posicionar algumas questões-chave, para quem não entendeu
ainda o que está em jogo.
A PEC 241 pretende congelar os orçamentos do SUS por 20 anos, corrigindo-os pelos índices da inflação.
a) Com o envelhecimento populacional os custos da saúde vão crescer bem além da inflação.
b) O cálculo do crescimento do PIB exclui a inflação, o que significa que os orçamentos do SUS vão sofrer um gap
proporcionalmente maior, quanto mais crescer a economia (se a inflação
for de7% e a economia crescer 5%,o SUS encolhe 5% por não correção do
PIB ou da arrecadação;
c) O SUS está sujeito à inflação da saúde, sempre muitos pontos mais alta do que a inflação geral.
d) A correção orçamentária pela inflação não prevê a pressão de alta da incorporação tecnológica.
e) O altíssimo ônus dessa PEC vai estourar no colo dos pacientes, dos estados e municípios e dos profissionais de saúde.
f) O SUS custa 4% do orçamento federal (muito pouco), a assistência
social custa 2,7% (já incluído o Bolsa Família), a educação 3,7% e a
segurança 0,9%, mas a remuneração da dívida interna leva 40% dos
recursos.
Congela-se o SUS mas não a remuneração da dívida. A PEC 241 beneficia portanto apenas aos rentistas, a quem o governo deve…
Juntamente com pacientes, estados e municípios e outros profissionais de saúde, os médicos também irão ao sacrifício.
1. Os empregos médicos, hoje disponíveis numa proporção que tornam o
desemprego na profissão um fenômeno quase nulo, vão rarear.
O SUS, principal, empregador da categoria, não terá fôlego para
continuar contratando. A PEC 241 impõe um indiscutível viés de baixa ao
emprego público do profissional médico. A disputa por empregos privados
(normalmente plantões de urgências e terapia intensiva) vai estar
dificultada pela maior concorrência, o que será fator de redução da
remuneração.
2. Honorários médicos, pressionados pelo viés de baixa do desemprego,
explicitado acima, também sofrerão pesada pressão baixista.
Além disso, o SUS funciona como um mercado regulador. O viés de baixa
da remuneração médica do SUS repercutirá nas demais fontes privadas ou
filantrópicas num efeito dominó. Essa onda de choque alcançará
inicialmente os médicos mais jovens que estarão entrando no mercado de
trabalho, mas depois, em função da lei da oferta e da procura,
contaminarão o mercado como um todo.
3. Os quadros médicos efetivos e já concursados nas instituições
públicas perderão poder de pressão, pois o desemprego criará um exército
de reserva ávido por vínculos públicos. Tudo isso produzirá
congelamento salarial e endurecimento das condições de negociação com um
poder público exaurido, mas também com as empresas de saúde, que
poderão ser tentadas a substituir os quadros antigos, mais caros, por
quadros novos.
4. No tocante às condições de trabalho médico haverá um inevitável
viés de piora decorrente de uma maior incapacidade do sistema de
investir em novas tecnologias, ergonomia ou ambientes.
5. A formação médica se deteriorará. As Residências Médicas estarão
empobrecidas não somente porque já não terão vagas de expansão capazes
de absorver os médicos novos, mas sobretudo pelo fato de que terão menos
recursos. Em consequência, viverão progressiva obsolescência das
tecnologias que lhe dão suporte, o que se acompanhará de uma crescente
precariedade dos cenários de práticas, dado o sucateamento do sistema.
Os mestrados e doutorados também estarão sujeitos ao mesmo viés de
baixa, que poderá tornar a produção científica uma espécie de luxo.
6. A qualidade dos cursos médicos estará obviamente ameaçada e se
hoje o Conselho Federal de Medicina se inquieta com isso, o que esperar
para os anos que virão, onde o setor saúde será sucateado?
Além do SUS e das universidades públicas, que sofrerão um
sucateamento direto, as próprias universidades privadas serão atingidas.
As mensalidades praticadas pelo cursos médicos são proporcionais ao
rendimento previsto para a profissão no médio prazo. Se essa avaliação
de rentabilidade vier a cair, as mensalidades não têm como sustentar-se
nos patamares atuais.
Vale lembrar que são os cursos médicos que viabilizam diversos outros
cursos nessas universidades. A existência desses cursos é condição para
que as universidades não regridam à condição de faculdades. Se a PEC
241 passar, a onda de choque alcançará o ensino público diretamente e o
privado indiretamente (mas simultaneamente), tornando-o, em muitos
casos, insolvente.
7. Muitos dos contratos com o SUS na média e alta Complexidade
estarão com os dias contados. O SUS não somente não contará com certos
serviços, o que aliás já ocorre hoje, como também não terá como
contratá-los complementarmente. Aprovada a PEC 241, estarão ameaçados
contratos, os hospitais, as clínicas e os assalariados dos serviços
contratados.
8. No que toca às cooperativas médicas, o viés baixista da PEC 241
tende a atentar tanto contra os postos de trabalho como contra os
valores dos honorários. Não é vidência. É a triste realidade dos números
que mostram um cobertor muito mais curto do que o atual.
9. Os investimentos do SUS em novos serviços também serão reduzidos e
a sensação de que progressivamente as coisas tendem a melhorar estará
riscada do arco de possibilidades. Sem investimentos, ou com
investimentos mirrados, o tônus a ser experimentado por todos será o de
um futuro cada vez mais difícil. Parece pouco, mas o clima
organizacional, que envolve o sentimento de satisfação e de gratificação
com o trabalho, tende a ser o pior possível.
10. A atualização tecnológica no SUS da PEC 241 será um luxo.
De fato, se quisermos abrir os olhos, veremos que o governo está
mirando na cabeça dos profissionais de saúde de que fazem parte os
médicos com uma espingarda calibre doze.
É hora de mobilizar os deputados que tradicionalmente somam com os
interesses profissionais dessas profissões para que se oponham à PEC
241. O destino dos profissionais está atado ao dos pacientes.
Como diria Hemingway, nunca pergunte por quem os sinos dobram.
Ion de Andrade é médico epidemiologista, doutor em Ciências da Saúde pela UFRN
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