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Rede Globo Manipula Povo Brasileiro

vermelho.org.br
Luciano Martins Costa afirma que a grande mídia estimula posições conservadoras e raivosas

AGlobo News fez uma cobertura cinematográfica dos eventos, enquanto seus diversos comentaristas assumiam a condição de porta-vozes da "festa cívica”, cobrando atitudes do governo. Por volta das 15h, anunciaram 240 mil pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo. Antes das 15h30, já eram 480 mil e, faltando alguns minutos para as 16h, a marca alcançou sensacionais 1 milhão de descontentes. Além da enorme diferença de projeção em relação ao jornal Folha de S. Paulo, que calculou 210 mil revoltados, a Globo ainda precisa explicar como 750 mil pessoas desafiaram a física chegando ao mesmo tempo às redondezas do evento. 
Ironias e críticas à parte, a realidade é que a imprensa corporativa intervém, decisivamente, na sociedade e instituições. A opinião pública (da), quando concentrada nas mãos de um cartel, possui grande poder de agendar e interditar debates ao gosto do dono da editoria. Esta distorção gera efeitos deletérios no processo democrático e de tomada de decisões. 
A fim de analisar a fundo essa questão, o Blog dos Desenvolvimentistasentrevistou o jornalista, escritor e colunista do Observatório da ImprensaLuciano Martins Costa. Ele explica que, desde a redemocratização do país (1985), a imprensa nacional entrou num processo de oligopolização, incentivado pela distribuição de concessões a caciques políticos do "centrão”. Segundo Costa, esse cartel constrói um simulacro de realidade, que estimula os cidadãos menos críticos a assumirem posições conservadoras e raivosas. O "remédio”, então, seria "aprender a ler” a mídia, duvidando sistematicamente das notícias, principalmente das apresentadas com mais alarde e dramatização. 
Confira a íntegra da entrevista.
Como você vê a atuação da imprensa corporativa brasileira? É possível dizer que existe uma "cartelização editorial”?
Existe uma cartelização editorial desde que a Folha de S. Paulo negociou seu maior comprometimento com a Associação Nacional de Jornais [ANJ] em troca de apoio para a campanha pelo fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista e pela extinção da Lei de Imprensa. 
Quais seriam os objetivos e interesses desse alinhamento? As metas estão sendo cumpridas?
O objetivo principal é se contrapor à tendência da sociedade brasileira, no fim dos anos 1990, de questionar o sistema econômico e de exigir a expansão dos direitos formalmente garantidos na Constituinte de 1988. A Constituição, como se sabe, foi feita sob a égide da "sociedade civil organizada”. Acontece que, à época, cerca de 51% da população brasileira eram excluídos da sociedade e a "sociedade civil organizada” era apenas uma metáfora para as entidades corporativas, como os sindicatos, federações de indústrias, OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e setores fortemente apoiados por lobistas. O pesquisador Francisco Fonseca demonstrou como a imprensa, à época, deu voz ao chamado "Centrão”, para conter o ímpeto progressista da Constituinte em seu início. Esse alinhamento está triunfando, ao transformar o Brasil num país conflagrado, com a criação de legiões de "midiotas”, que repetem o discurso raivoso da imprensa.
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Seus artigos comentam, com regularidade, sobre a criação de um "simulacro de realidade”. Como ocorre essa construção? Poderia exemplificar um caso concreto?
Existe o mundo real, onde nos relacionamos e construímos o processo da modernidade, e o ecossistema da comunicação, onde nossas ações, reflexões e escolhas constroem a cultura, que redefine a realidade. A mídia atua, em condições ideais, mediando essa passagem entre duas dimensões da nossa existência, onde as individualidades devem aprender a negociar seus papéis sociais. No Brasil e em alguns outros países, a imprensa adotou um protagonismo central e, em vez de filtrar ou mediar esse processo, interfere na construção de significados, que induzem a interpretações viciadas da realidade. O viés conservador, predominante na mídia, martelado diariamente sobre as pessoas, induz a posicionamentos reacionários, defensivos e individualistas. Um exemplo é a manipulação de dados da economia, que faz uma grande parcela da população acreditar que o Brasil está no fundo do poço. Mesmo pessoas que ascenderam às classes de renda média tendem a se tornar conservadoras quando são convencidas de que estão prestes a perderem o que conquistaram graças a seus esforços e com apoio em políticas sociais, que antes não existiam. O sujeito acorda, vai para o trabalho (que não existia quando o nível de desemprego era de 18%), segue para a faculdade (a que não tinha acesso antes das políticas sociais criadas na última década) e volta para casa, mas acha que a realidade hoje é pior. Os simulacros de realidade são construídos pela manipulação dos signos que norteiam nossa compreensão da realidade que vivenciamos. A falta de educação cívica faz com que muitos culpem o poder central por carências ou dificuldades, que são de responsabilidade estadual, municipal ou mesmo do âmbito privado. 
Que influências a sociedade e as instituições sofrem neste contexto?
A sociedade é influenciada na medida em que um grande número de indivíduos perde a noção daquilo que é do interesse coletivo e das responsabilidades individuais na construção de uma sociedade – se não sustentável, pelo menos aceitável. Como o interesse social é difuso, o discurso manipulador da mídia transforma, facilmente, o sentido dos fatos. Por exemplo, os jornais pegaram o aumento do preço do tomate, há quatro anos, e alardearam que a inflação estava estourando. O pânico levou os produtores e o comércio a buscarem se proteger, e isso provocou um aumento nos preços de alguns produtos alimentícios e dos restaurantes. Como nas grandes cidades, todo mundo que trabalha fora é obrigado a comer em restaurantes, a sensação de mal-estar se espalhou. Então, a mídia passou a martelar o tema da "inflação de alimentos”. Quando o preço do tomate voltou ao normal, em 10 dias, os preços dos alimentos baixaram, mas ficou a percepção de um surto inflacionário, que só existiu na imprensa. As instituições reagem ao estado de espírito da população e, ao construir uma mentalidade defensiva, a imprensa induz as instituições a adotarem políticas conservadoras. 
Por exemplo, os jornais fazem grande alarde quando um adolescente participa de um crime, a população pede a redução da maioridade penal, e os parlamentares conservadores correm a propor mudanças na lei. Mas acontece uma chacina, 11 pessoas são assassinadas numa rua da periferia de São Paulo numa única noite e os jornais escondem o fato, porque há indícios de que os crimes foram cometidos por policiais. 
O que fazer para "aprender a ler” a imprensa? Quais são os métodos?
Há alguns métodos para "aprender a ler” a imprensa e nenhum deles dispensa a compreensão de que vivemos numa sociedade altamente complexa, que já não pode ser interpretada corretamente pela linguagem jornalística. O essencial é adotar um procedimento que propus quando era editor executivo do Estado de S. Paulo e responsável pela primeira página: dessacralizar a notícia. Trata-se de treinar a mente para desconfiar de cada detalhe de uma notícia, questionando tudo que parece inverossímil ou fora de contexto. Por exemplo, quando a imprensa quer dar um tom negativo a um indicador econômico, a prática mais comum é mudar os parâmetros de comparação. Então, compara-se, por exemplo, as vendas do comércio em janeiro em relação a dezembro - sabe-se que a economia tem suas sazonalidades e que o correto é comparar períodos semelhantes, destacando os fatos relevantes que ocorreram entre eles. Por exemplo, os jornais falaram muito do custo de vida entre 2013 e 2014, omitindo o fato de que, em 2014, houve uma Copa do Mundo no Brasil. Outro exemplo: os jornais destacam que a Bolsa de Valores anda de lado, mas escondem que o Brasil ainda é um dos principais destinos do Investimento Estrangeiro Direto, que é investimento produtivo. A Teoria da Complexidade e algum conhecimento de teorias da comunicação ajudam a enxergar essas distorções. 
De que forma o Brasil, um país onde a mídia tem plena liberdade, chegou a esse quadro de uma imprensa tão concentrada e de baixa diversidade?
Tudo começou nas negociações para a volta da democracia, quando o "Centrão” foi cooptado para a ideia de que o Brasil só iria se modernizar com uma imprensa forte. A política de Sarney [José Sarney, ex-presidente do Brasil], distribuindo canais de TV e rádio a políticos em troca de apoio, levou a maioria deles a aceitar a oferta de parceria com a Rede Globo, que reduzia o custo das emissoras e garantia uma marca forte para captar anunciantes. Depois disso, houve uma manobra com dólar – operação que, na época, era chamada de "bicicletagem” –, na qual o governo facilitou para grandes empresas de comunicação o acesso ao dólar oficial, para modernização de equipamentos. Os equipamentos foram superfaturados, o excedente de moeda estrangeira foi para contas no exterior e passou a alimentar o fluxo de caixa dessas empresas, pelo câmbio paralelo. Essa operação aparece sutilmente no caso Banestado e é um dos segredos que a imprensa quer manter escondidos no escândalo do HSBC. Acho impossível investigar e provar essa história, que me foi contada pelo antigo presidente de uma grande empresa regional de comunicação, que jurava ter sido o único a não entrar nesse jogo.
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Como se inserem a Internet, as redes sociais e a mídia alternativa nesse cenário?
A Internet e as redes sociais se inserem no processo de redução do papel de mediação. As novas tecnologias permitem que as informações sejam trocadas horizontalmente, entres os indivíduos, e a tendência é que aquilo que chamamos de mídia passe a ter a função de ancorar essas informações, para que as pessoas possam fazer o contexto. Mas um consórcio de economistas ou sociólogos, por exemplo, poderia cumprir esse papel nas suas especialidades. A mídia alternativa só será viável quando assumir uma postura inovadora e parar de imitar a mídia hegemônica. Chamo inovação a determinação de estimular o protagonismo do cidadão e assumir o papel de checar e organizar as informações, sem o viés que caracteriza a imprensa predominante. 
O que você acha que acontecerá com a TV tradicional e a mídia impressa frente às mudanças que estamos vivenciando?
A TV tradicional, estática, ainda é forte porque é usada como o rádio, proporcionando um ruído de fundo para a vida cotidiana, mas a própria evolução da tecnologia está tornando esse meio menos relevante. Ele sobrevive melhor no campo do entretenimento e, por isso, as emissoras apelam para o jornalismo dramatizado ou espetacularizado. A mídia impressa vai sobreviver como um nicho, dirigido essencialmente para as instituições. O cidadão vai se informar cada vez mais pelas redes sociais. 
Você é favorável à proposta de regulamentação dos meios de comunicação? Quais seriam as consequências dessa medida?
Sou favorável à regulamentação dos meios de comunicação, à abertura da mídia para o capital estrangeiro (chega de cinismo), à obrigatoriedade de que toda empresa de mídia, a partir de certo porte (faturamento, patrimônio, etc.), seja obrigada a abrir o capital, à licitação pública periódica da radiodifusão, com abertura ampla para participantes, com exceção de entidades religiosas ou partidárias. Além disso, no curto prazo, defendo uma política pública que contemple iniciativas de mídia comunitárias, setoriais, etc., como os coletivos de cultura, que teriam um poderoso efeito na educação da sociedade para o uso da mídia.

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