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Manifestações do dia 15 março apresentam pauta difusa e sem conteúdo

Depois de um fim de semana simbólico para o debate e o andamento político-social do Brasil, com duas marchas com forte adesão da população, em várias capitais, e pautas de reivindicação diferentes, o que podemos compreender da cada uma das iniciativas? Em entrevista àAdital, a pastora luterana Romi Benke, presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), que integra a Coalizão pela Reforma Política e Eleições Limpas, faz uma comparação entre os dois eventos.
Romi avalia que a marcha de 13 de março continha uma agenda clara: disse não à privatização da Petrobras, defendeu o fim do financiamento privado de campanha como ponto-chave na reforma política e expôs a necessidade de repensar as representações populares no poder. "Sem se eximir de manter um posicionamento crítico ao governo”, destaca.
Reprodução
Marcha do dia 13 de março no Rio de Janeiro. Foto: Reprodução.

A manifestação de 15 de março, por outro lado, teria ostentado uma pauta difusa e sem conteúdo. "Vimos a defesa da Petrobras, mas sem o conteúdo de defesa. Se viu falar de reforma política, mas sem dizer o conteúdo que se quer dessa reforma. Falou-se em corrupção, mas não se diz qual delas”, critica. "No HSBC [banco], houve lavagem de dinheiro feita por muitas famílias brasileiras, mas isso não esteve presente na marcha em nenhum momento. Abordou-se somente a corrupção por parte de agentes públicos”, acrescenta. "A rede de corrupção da Petrobras envolve absolutamente todos os partidos. Por que o ataque somente ao PT [Partido dos Trabalhadores]?”, questiona.
"Confesso que me levantei [no segunda-feira, 16] e fiquei pensando: como é acordar num país que se declarou, no dia de ontem, claramente intolerante. Várias faixas pedindo o retorno das forças armadas [ao poder], imagens extremamente agressivas contra a chefe de Estado [presidenta Dilma Rousseff]... Sendo contra ou a favor, ela precisa ser respeitada”, afirma Romi. "Fazem a gente pensar também no papel dos meios de comunicação privados. Eles fizeram uma chamada pública para a manifestação de domingo”, ressalta.
Indagada se a heterogeneidade da pauta das mobilizações do 15 poderia representar uma fragilidade desses setores conservadores, Romi pondera. "É difícil afirmar isso. Esse setor tem apoio claro da grande mídia e sabemos que alguém está pagando por isso. Eles [manifestantes] não se organizaram espontaneamente, o que reflete exatamente esse processo de despolitização que a gente vive”, avalia.
Avaliando as várias semelhanças entre o movimento do último fim de semana e o período que antecedeu o golpe de Estado de 1º de abril de 1964, a pastora adverte: "a minha preocupação é que falamos muito em golpe. Quando a gente fala demais em golpe, a gente acaba naturalizando o processo”, alerta. "Tem sim uma tentativa clara de desestabilização do atual governo e de criar uma sensação de que há uma sociedade insegura e desestabilizada”, opina Romi.
Arquivo Pessoal
Romi Benke é presidente do Conic. Foto: Arquivo Pessoal

Respostas que atendam às demandas populares
Antes mesmo da realização dos atos públicos no último fim de semana, o Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reunido em Brasília, capital federal, nos dias 10 a 12 de março, manifestou sua preocupação diante do momento que vive o país.
"O escândalo da corrupção na Petrobras, as recentes medidas de ajuste fiscal adotadas pelo governo, o aumento da inflação, a crise na relação entre os três poderes da República e diversas manifestações de insatisfação da população são alguns sinais de uma situação crítica que, negada ou mal administrada, poderá enfraquecer o Estado Democrático de Direito, conquistado com muita luta e sofrimento”, afirmam, em nota, Dom Raymundo Damasceno Assis, arcebispo de Aparecida (São Paulo) e presidente da CNBB, Dom José Belisário da Silva, vice-presidente da CNBB, e Dom Leonardo Ulrich Steiner, secretário-geral da Conferência.
Marcelo Carmargo/ABr
Manifestação em 15 de março, em São Paulo. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

"Qualquer resposta, no entanto, que atenda ao mercado e aos interesses partidários, antes que as necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e desvia-se do caminho da justiça. Cobrar essa resposta é direito da população, desde que se preserve a ordem democrática e se respeitem as Instituições da comunidade política”, pondera o texto.
"As denúncias de corrupção na gestão do patrimônio público exigem rigorosa apuração dos fatos e responsabilização, perante a lei, de corruptos e corruptores. Enquanto a moralidade pública for olhada com desprezo ou considerada empecilho para a busca do poder e do dinheiro, estaremos longe de uma solução para a crise vivida no Brasil”, avalia a CNBB. "A solução passa também pelo fim do fisiologismo político, que alimenta a cobiça insaciável de agentes públicos, comprometidos, sobretudo, com interesses privados. Urge ainda uma reforma política que renove, em suas entranhas, o sistema em vigor e reoriente a política para sua missão originária de serviço ao bem comum”, acrescentou.
A CNBB conclama as instituições e a sociedade brasileira ao diálogo que supere "radicalismos” e impeça "o ódio e a divisão”. "Na livre manifestação do pensamento, no respeito ao pluralismo e às legítimas diferenças, orientado pela verdade e a justiça, este momento poderá contribuir para a paz social e o fortalecimento das Instituições Democráticas”, afirmou o texto.

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